terça-feira, 15 de outubro de 2024

JORNAL O GLOBO: "Mutirão de cirurgias de cataratas às vésperas da eleição causa infecção e deixa seis pacientes sem olho no RN"

 


Um mutirão de cirurgias de cataratas feitas no dia 27 de setembro pela Prefeitura de Parelhas (RN), município de 21 mil habitantes a 262 quilômetros de Natal, deixou 15 pacientes com um quadro de infecção nos olhos. Seis deles tiveram que retirar o globo ocular, segundo a prefeitura. As cirurgias foram feitas oito dias antes das eleições municipais, em que o atual prefeito, Tiago Almeida (PSDB), foi reeleito.

A prefeitura afirma que as infecções foram causadas por uma bactéria e que tem dado todo o suporte necessário para os pacientes. Outras 28 cirurgias foram realizadas em 28 de setembro, um dia depois, e não houve registro de novas infecções.

Sobre a proximidade das cirurgias com as eleições, o prefeito alega que o trabalho da gestão municipal não poderia parar por causa da campanha.

— A saúde é contínua, não pode parar. Eu não podia parar por causa das eleições. Até porque a gente tem filas constantes. E 50 pessoas (que fizeram a cirurgia), mesmo se você multiplicar por quatro, pensando nos familiares, não teria alteração na eleição. Eu ganhei com uma diferença de quase 7 mil votos — disse ao rebater a alegação de ganho eleitoral.

Devido à proximidade com as eleições, uma das coligações da cidade entrou com uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije) apontando abuso de poder político por parte do prefeito.

A professora de matemática Francinete Maria de Azevedo Assis, de 61 anos, é uma das pacientes que teve que retirar o globo ocular para evitar que a infecção se espalhasse. Ela fez a cirurgia de retirada do olho na rede particular de Natal, para onde foram levados os pacientes com os quadros mais graves.

A mulher conta que já havia feito outra cirurgia de catarata em agosto, e que sentiu que o procedimento feito no mutirão em Parelhas foi diferente. A professora diz que sentiu muitas dores durante a operação.

— À noite eu já não me senti bem, senti o olho queimando. Voltei ao médico no dia seguinte e ele disse que estava tudo normal. Mas à tarde eu senti uma dor de cabeça insuportável e fui ao médico de novo. O olho já estava bem vermelho, mas ele disse que era normal. Eu voltei para casa, dormi, e quando foi no outro dia (domingo) eu amanheci cega — disse.

Francinete, então, buscou atendimento na rede particular e foi orientada a retirar o globo ocular, o que foi feito na quarta-feira da semana passada, cinco dias depois de fazer o procedimento de catarata.

Vereadora da cidade de 21,5 mil habitantes, Francicleide de Souza (MDB), conhecida como Cleitinha, é filha de um dos pacientes que está com infecção no olho. O homem tem 68 anos e, segundo a vereadora, não está enxergando.

— Meu pai não está muito bem. A gente está rezando muito para não tirar o globo ocular, mas está muito difícil. Ele ainda tem esperança de voltar a ver — disse.

Segundo a prefeitura, a atual gestão já realizou cirurgia de cataratas em cerca de 400 pessoas. O mutirão feito no fim de setembro, no entanto, foi o primeiro dentro da cidade. Outros mutirões foram feitos em municípios vizinhos, em consórcio com outras prefeituras. Nesses outros casos, a prefeitura de Parelhas enviava uma quantidade menor de pacientes diante da dificuldade de logística para encaminhá-los com acompanhante.

A Secretaria de Saúde Pública afirmou que a área de vigilância abriu um procedimento de acompanhamento do caso no dia 4 de outubro, e que ainda está em fase de levantamento de informações.

A empresa contratada para realizar a cirurgia afirmou em nota que o mutirão “foi conduzido por oftalmologista experiente, tendo seguido os protocolos médicos e de segurança exigidos’, e que está prestando assistência aos pacientes afetados. No texto, a clínica alega que assim que os primeiros casos foram relatados, “a equipe médica prontamente reavaliou todos os pacientes e tomou as medidas necessárias para o tratamento imediato”. A empresa pontuou, ainda, que as cirurgias foram feitas na maternidade da cidade “por indicação do município, utilizando-se de sua estrutura para tanto (sala cirúrgica, cubas, iodo, sala de esterilização, autoclave e panos estéreis das mesas de operação)."


O GLOBO



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