Luiz Henrique Mandetta contou à GloboNews que o governo de Jair Bolsonaro cogitou decretar a inclusão na bula da cloroquina da indicação do medicamento para o tratamento de coronavírus.
“Nunca houve um direcionamento do presidente à minha pessoa. O presidente se assessorava ou se cercava de outros profissionais médicos. Eu me lembro de um dia em que vieram de São Paulo vários profissionais médicos. Ele fez a reunião da cloroquina, queria saber o que eles achavam, parece que só houve uma profissional médica que retornou. E eu me lembro de quando, no final de um dia de reunião de conselho ministerial, me pediram para entrar numa sala e estavam lá um médico anestesista e uma médica imunologista, que estavam com a redação de um provável ou futuro – ou alguma coisa do gênero – decreto presidencial. E a ideia que eles tinham era de alterar a bula do medicamento na Anvisa colocando na bula indicação para Covid”, disse Mandetta.
Segundo ele, estavam presentes o ministro Jorge Oliveira e vários outros, além do então advogado-geral da União, André Mendonça, hoje ministro da Justiça e Segurança Pública, e do presidente da Anvisa.
“O próprio presidente da Anvisa se assustou com aquele caminho, disse que não poderia concordar. Eu simplesmente disse que aquilo não era uma coisa séria e que eu não iria continuar naquilo dali; que o palco daquela discussão tem que ser no Conselho Federal de Medicina, aliás autarquia federal que tem que vir a público para orientar os médicos que estão subordinados ao Conselho de Ética e são fiscalizados pelo Conselho Federal. Então é lá que esse debate tem que se dar. Não adianta fazer um debate de uma pessoa, que seja especialista na área que for, com um presidente da República, que não é médico. A disparidade de armas é muito difícil”, disse o ex-ministro da Saúde.
“Você pode não estar com a melhor assessoria e nem esse médico deveria estar fazendo isso. Ele deve discutir entre os pares dele e sair com uma resolução do Conselho que [neste caso] nunca houve. Então nós, no Ministério, pautamos o que nós tínhamos de evidência: o uso compassivo – como o nome diz, o uso por compaixão – e [ficamos] aguardando as melhores alternativas”, contou Mandetta.
Segundo o ex-ministro, na primeira fase do trabalho brasileiro que estava sendo feito durante a sua gestão, “33% das pessoas que estavam recebendo cloroquina internadas sob monitorização – quer dizer, eles estavam lá com uma aparelhinho de eletrocardiograma contínuo – tiveram que suspender a cloroquina por arritmia grave que poderia levar à parada [cardíaca], principalmente a cloroquina associada à azitromicina, que potencializa o efeito cardiotóxico da cloroquina”.
“Então ninguém é dono da verdade, não dá para fazer desse jeito. É muito complicado, é muito difícil. Eu tenho medo de que esses médicos jovens, que estão na atenção básica, muitos deles ainda sem residência médica, muitos sem personalidade até para poder fazer esse contraponto – e a população fazendo a solicitação –, que eles acabem prescrevendo. Eu tenho medo de falarem assim: ‘então assina aqui, fala que viu, que está consentido’; e levem esse medicamento. E [tenho medo de] as pessoas acabarem fazendo automedicação e tendo problemas. Eu espero que isso não ocorra, espero que a população seja bem esclarecida, porque isso é uma droga que tem efeitos colaterais e que precisa ser monitorada. Precisa ter cuidado para que isso não seja mais um agravante na já tão dura realidade que é a infecção por esse vírus, que é muito mais do que uma infecção respiratória: ela tem atividade cardíaca, atividade hepática, atividade renal, esse vírus é sistêmico, é um quadro, ele está se desenhando. A fisiopatologia, que é o estudo da doença, agora é que está dando luz para os médicos”, frisou Mandetta.
Para o ex-ministro, colocar a cloroquina como panaceia é “um desvio” para acelerar a reabertura da economia.
“Então é muito complicado a gente colocar como uma panaceia: ‘olha, toma isso daqui que você fica bem.’ Me parece muito mais uma medida para que as pessoas tenham essa sensação de que há uma solução e voltem a trabalhar, porque qualquer tipo de solução é pautado pela ciência, pela saúde. Parece que é só mais um desvio para se falar: ‘Bom, tendo isso daqui, vocês podem ir trabalhar e fiquem tranquilos.’ Para o jovem, não vejo problema; agora, para as pessoas que já tenham algum problema cardíaco, que já tenham algum tipo de lesão, pode ser, sim, um grande problema.”
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