Como diria Gilmar Mendes, o problema do senador está em se distinguir o verossímil do verdadeiro
Demóstenes Torres, ex-líder do DEM no Senado, foi delegado de polícia, promotor e secretário de Segurança de Goiás. Fosse um frade, seria possível dizer que se aproximou do contraventor "Carlinhos Cachoeira" por amor ao próximo. No ano passado, aceitou um fogão e uma geladeira (importados) de presente de casamento. Vá lá que, pela sua etiqueta, "a boa educação recomenda não perguntar o preço nem recusá-los". Em 2009, Demóstenes recebeu de "Cachoeira" um aparelho Nextel, habilitado nos Estados Unidos, e utilizava-o para conversar com o amigo, sem medo de grampos. Segundo um relatório da Polícia Federal, as chamadas contam-se às centenas. Isso e mais um pedido de R$ 3.000 para quitar uma conta de táxi aéreo. Geladeira e fogão são utensílios domésticos. Rádios com misturador de voz para preservar conversas com um contraventor cujas traficâncias haviam derrubado, em 2004, o subchefe da assessoria parlamentar da Casa Civil da Presidência da República, são outra coisa.
Em 2008 (e não em 2009, como o signatário informou no domingo), o senador foi personagem da denúncia de um grampo onde teriam capturado uma conversa sua com o então presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. A acusação custou o cargo ao diretor da Agência Brasileira de Informações, delegado Paulo Lacerda. Mendes, cuja enteada é hoje funcionária do gabinete do senador, disse na ocasião que o país vivia "um quadro preocupante de crise institucional".
As investigações da Polícia Federal em torno das atividades de "Carlinhos Cachoeira" haviam começado em 2006. Uma sindicância da Abin e outra da PF não conseguiram chegar à origem do grampo, cujo áudio jamais apareceu. Gilmar Mendes disse, posteriormente, que "se a história não era verdadeira, era extremamente verossímil".
O futuro do senador Demóstenes está pendurado na distância que separa o verdadeiro do verossímil. O verdadeiro só aparecerá quando ele e a patuleia tiverem acesso a toda a documentação reunida pela Polícia Federal. Nesse sentido, não é saudável que seja submetido à tortura dos vazamentos administrados. (Paulo Lacerda foi detonado por um deles e não se descobriu quem o administrou.) Se o negócio é verossimilhança, o senador está frito.